“Vânia Gala começou a dançar aos 5 anos de idade. Hoje é coreógrafa, professora e investigadora de dança na Universidade de Kingston, em Londres.”
A Alice Marcelino fala-nos da Vânia Gala na Revista Gerador de Setembro. Agora, publicamos algumas das palavras que trocaram, aqui mesmo ;-)


Podes contar-nos mais sobre ti como artista e a tua relação com a dança?
Muitas vezes eu digo que sou artista antes de ser coreógrafa ou dançarina. Primeiro, estudei com pessoas da Igreja de Judson, que está ligado ao Black Mountain College, onde a distinção entre diferentes métodos era inexistente (nem parecia útil). Então, talvez mais do que uma paixão, eu vejo um artista de dança como uma forma de estar no mundo, de fazer perguntas, de estar incorporado no mundo, de dar relevância à imaterialidade do mundo, de vê-lo a partir desta perspectiva.
Fazer, fabricar, construir dança(s), para além de envolver uma prática do corpo regular, são também uma forma de estar e como tal uma forma de pensar. Coreografar não é só inventar novas constelaçōes, formas de estar em grupo no tempo e no espaço. Isto significa para mim uma diversidade de práticas não restritas ao espaço de ensaio ou ao proscénio. Implica toda uma série de actividades: ensinar no contexto académico e fora dele, colaborações com artistas ou mesmo teóricos de outras áreas, conversas com vizinhos, cozinhar jantares com artistas e colegas, comunicações no contexto académico nos mais variados formatos, escrever e documentar processos.


Além de dança também estudaste Economia e tens interesse em assuntos ligados a Filosofia. Fala-nos dessa relação e como se reflecte no teu trabalho.
As divisões disciplinares raramente me inspiraram e terão sido poucas as vezes que deram lugar ou produziram algo de relevância no meu percurso artístico. Nem sempre de forma óbvia ou teórica mas diria que a Les Ballets C de La B ou Sonia Boyce partilham algumas inquietaçōes relacionadas com algumas dessas áreas. Penso mesmo que muito do que se passa hoje a nível de investigação nos departamentos de Artes onde as “práticas” passaram a ser integradas nos departamentos já existia de forma informal numa cidade como Coimbra (na AAC e no TAGV) mas não de uma forma institucional.
Esta ligação entre práticas e teorias foi desde sempre um abrir espaço para especulações, extremos e todo o tipo de deambulações sem as quais o pensamento crítico e criação artística não existem. Não é então uma surpresa que no meu doutoramento estas disciplinas estejam presentes. A minha pesquisa é pois de natureza transdisciplinar. Este aspecto intensificou-se à medida que novas ligações entre actividades ou iniciativas que fui propondo se desenvolveram.


Viveste e estudaste em diversos países. Qual foi o impacto desses teus bichos carpinteiros na tua carreira?
Talvez o efeito mais notável de desenvolver um percurso artístico em diversos países seja notar a semelhança dos problemas que as comunidades artísticas no geral enfrentam. Ou os espaços de exclusão que algumas comunidades enfrentam. Para mim é também uma forma de saber quem sou como artista no confronto com mundos e visões diferentes ou mesmo antagónicos.


Qual a importância da colaboração artística na tua carreira?
Antes de mais a dança e a coreografia são na minha opinião formas artísticas marcadamente colaborativas. Eu vejo o processo coreográfico como uma série de metodologias, arranjos, modos intrinsecamente cooperativos. O aspecto colaborativo está profundamente enraizado na forma como os scores (ou instruções), as tarefas são trocados, aprendidos e viajam de corpo a corpo em dança. Esta é talvez uma das características que a distinguem da tradição da performance no discurso historiográfico das artes plásticas.
No entanto, a ideia do colectivo sem fracturas idealmente e platonicamente unificado só existe num plano abstracto ideal. Claro que quando trabalhamos em grupo há clivagens, interrupções. No fazer do “nós” há retiradas, passos para trás e mesmo contratempos ou retrocessos. Movimentos inesperados, diferentes velocidades, tudo isto faz parte do processo coreográfico de natureza colaborativa.


Se pudesses estalar os dedos e materializar um desejo vindo de Portugal, qual seria?
Estalar as articulaçōes é uma prática comum entre os bailarinos por vezes apelidada de perigosa e outras vezes aconselhada como forma de abrir espaço nas articulaçōes e no corpo. Gosto desta ideia de abrir espaço interior, de corporalidade, das mais variadas incorporaçōes possíveis e imagináveis e, porque não, mesmo espaço exterior. E aqui estou a especular sobre as possibilidades que as artes performativas têm em engajar e experimentar outras formas de sociabilidade tão necessárias hoje quando o espaço social e público desaparece.
Daí que, de momento, se estalasse os meus dedos, gostaria de ser parte de projectos que poderiam de alguma forma ser sítios que avançam espaços de futuro em particular para Portugal. Projectos em colaboração com estruturas que, de alguma forma, tocassem alguns aspectos a que me referi anteriormente. Um dedo não estala sozinho, no mínimo são dois para o estalo ocorrer.

Entrevista por Alice Marcelino, a nossa autoridade local em Londres.
A Autoridade Local é uma rubrica da Revista Gerador onde vamos à procura daquilo que de melhor se faz na cultura portuguesa. Mas quem somos nós para o dizer? Pedimos, por isso, ajuda àqueles que sabem mesmo da região onde vivem.
Ilustração de ARITA.
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